A vinha é de Deus, não é nossa!
27º Domingo do Tempo Comum [08 de outubro de 2023]
[Mt 21,33-43]
Esta é a segunda parábola a respeito da rejeição da Graça por parte daqueles que são eleitos de Deus em primeiro lugar. Movidos por desejos egoístas, talvez prefiram dizer não. No evangelho do domingo passado (Mt 21,30), o filho respondeu: “Sim, senhor, eu vou”. Mas não foi. Hoje a vinha é dada aos primeiros, que não reconhecem o direito do patrão sobre os frutos, matando inclusive o filho, o herdeiro enviado.
A reflexão recai de novo sobre aqueles que recebem mais, aqueles que são os primeiros responsáveis, agraciados com a eleição e o convite para trabalhar na vinha e fazê-la produzir. É a liderança que se apropria daquilo que é dom. Ao invés de trabalhar para o Dono, se faz dono daquilo que lhe foi “arrendado”, ou seja, lhe foi dado para cultivar e produzir frutos.
Pode nos ajudar a entender esse sentido da parábola a constatação de maridos ou pais que tratam a mulher e os filhos como ‘coisa’, propriedade, objeto de uso ou mão de obra barata. Também aquela situação em que o coordenador da comunidade ou da pastoral, ou mesmo o padre, se faz senhor do que lhe foi confiado como serviço. Ou ainda o administrador de patrimônio público que exerce o cargo como dono dos bens que lhe foram confiados para administrar em favor dos mais pobres. Faz-se dono das pessoas, quando deveria fazer-se servo... Isto acontece quando o cargo é assumido como dominação e o dinheiro assume o lugar de Deus!
O povo de Israel é a “vinha de Deus”. Porém recusa-se a entregar a parte ao patrão que é Deus. Quando este envia o Filho, matam-no, com o desejo de se apoderar de sua herança: “É o herdeiro; matemo-lo para tomarmos posse de sua herança”. Mas o Deus providente lhes tira a vinha para entregá-la a outro povo.
Os primeiros a serem rejeitados são os profetas. O herdeiro é o Filho que o Pai envia, a pedra rejeitada que se torna a “pedra angular”. Porém Deus fundou um “novo povo” sobre essa “pedra”. Deus não rejeitou os judeus, como não rejeita ninguém. Ele rejeita a liderança que se apropria da religião, das leis e escraviza o povo. O novo povo que Jesus funda é a Igreja, comunidade de seus seguidores, que recebe a missão de continuar sua obra salvadora e libertadora.
Sabemos, porém que a Igreja, novo Povo de Deus, corre o risco de querer guardar os frutos da vinha para si. É a tentação do poder: querer dominar, tirar proveito da boa fé do povo, querer dominar as pessoas com uma religião mágica, com normas e leis que são mais rédeas de controle do que orientações de vida. É preciso que ela sempre se volte para Jesus, a Pedra Angular, e se coloque como servidora, trabalhadora na vinha de Deus. Os frutos são de Deus, as pessoas são de Deus, o resultado é de Deus. À Igreja compete colocar-se como humilde servidora do Reino que é muito maior do que ela. A Igreja é um instrumento de Deus para ajudar as pessoas a fazer a experiência de Deus, a se encontrar com Deus e assumir uma vida nova em Deus. É preciso ter a coragem de morrer como e com Cristo para gerar vida nova.
Esta parábola não tem o fito de revelar um Deus vingativo, rigoroso, cobrador. Não! Este relato quer levar o discípulo, sobretudo a liderança religiosa a reconhecer que Jesus é o dom do Pai, revelador do rosto misericordioso de Deus. E esse reconhecimento leva a produzir muitos e bons frutos.
*A propósito do evangelho de hoje que nos ajuda a rezar a missão da Igreja, queremos convidar os irmãos e irmãs a se colocarem em sintonia com o Sínodo sobre a Sinodalidade, que está acontecendo em Roma. O Papa Francisco convida à abertura ao Espírito Santo a fim de que ele nos indique os caminhos e instrumentos de que nos serviremos para uma evangelização eficaz. “E este é o dever primário do Sínodo: centrar de novo o nosso olhar em Deus, para sermos uma Igreja que olha, com misericórdia, a humanidade. Uma Igreja unida e fraterna – ou pelo menos procura ser unida e fraterna –, que escuta e dialoga; uma Igreja que abençoa e encoraja, que ajuda quem busca o Senhor, que excita benevolamente os indiferentes, que abre caminhos para iniciar as pessoas na beleza da fé. Uma Igreja que tem Deus no centro e, consequentemente, não se divide internamente e nunca é dura externamente. Uma Igreja que arrisca com Jesus. É assim que Jesus quer a Igreja, assim quer Ele a sua Esposa” (Homilia do Papa Francisco na abertura do Sínodo 2023).
**Lembramos que estamos no mês missionário. É bom refletirmos sobre nossa responsabilidade missionária. Agirmos como instrumentos de Deus na história. O missionário não fica de braços cruzados “olhando a banda passar”, não. Ele vê e age. Missionário incomoda-se com a realidade de dor e sofrimento do povo; com a exploração e humilhação das pessoas; com os maus tratos feitos à Mãe Terra; com um poder político que usa a máquina do Estado para explorar, roubar, tirar os direitos dos pobres e trabalhadores honestos. Missionário coloca-se como voz, coração e mãos de Deus no mundo. É um continuador das ações de Jesus. Quiçá programar uma visita, participar de uma pastoral, prestar um serviço voluntário em alguma instituição de caridade, apoiar movimentos populares que defendem os direitos dos pequeninos do Reino... É preciso cuidar da Vinha de Deus, pois a qualquer hora o Senhor virá acertar as contas. Afinal de contas “a vida é missão”! Vamos nessa!
***No último dia 04 celebramos São Francisco de Assis. Uma historinha de Francisco para iluminar nossa missão: Certa vez, S. Francisco pediu a um Irmão, chamado Leão: “Frei Leão, vamos fazer uma pregação?” “Sim”, respondeu o Irmão.
Os dois saíram caminhando pelas ruas de Assis. Andaram, andaram... Mas nunca chegavam ao local da tal pregação.
Por fim, começaram a voltar para casa. Quando estavam chagando, Frei Leão perguntou: “Frei Francisco, e a pregação?” “Já a fizemos”, respondeu ele.
A palavra convence, o exemplo arrasta. A simples caminhada deles, um ao lado do outro, conversando com alegria e amizade, foi a pregação.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN