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aurelius

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Quaresma: conversão para vencer o mal

aureliano, 20.02.21

1º Domingo da Quaresma [21 de fevereiro de 2021]

[Mc 1,12-15]

Estamos iniciando a Quaresma. Talvez muitos de nossos jovens não saibam o que significa esse tempo litúrgico da Igreja. O termo quaresma nos remete ao número quarenta, pleno de significado na Sagrada Escritura. Encontramos Jesus que passa quarenta dias e quarenta noites no deserto preparando-se para a missão que o Pai lhe confiara. Assemelha-se a Moisés que jejuou durante quarenta dias e quarenta noites no monte Horeb (Ex 24, 18; 34, 28; Dt 9,11). Também Elias, alimentado pelo pão do céu caminhou quarenta dias e quarenta noites até o monte que o Senhor lhe indicara (1Rs 19,8). Outro elemento significativo foi a peregrinação do povo de Israel durante quarenta anos no deserto, rumo à terra prometida (Dt 2,7), alimentado e assistido pelo Senhor.

O evangelho de Marcos, mais resumido do que os outros, tem como pergunta de fundo: “Quem é Jesus?”. No início o Pai confirma: “Tu és o meu Filho bem amado” (Mc 1,11). No final, o centurião reconhece: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15, 39).

Jesus deve enfrentar as forças do mal. Por isso é conduzido pelo Espírito Santo ao deserto a fim de se preparar para essa grande missão. À semelhança do povo de Israel no deserto que foi tentado muitas vezes, Jesus resume em sua pessoa essa caminhada e experiência, vencendo, pela sua fidelidade, as tentações do maligno, garantindo assim, aos que crêem na sua Palavra, a ressurreição e a vida, a Terra Prometida.

Nessa caminhada quaresmal acompanhemos Jesus na sua entrega por nós. É tempo de reafirmar a fé e o compromisso batismais. As primeiras palavras de Jesus no evangelho de Marcos nos devem acompanhar ao longo deste tempo de preparação para a Páscoa: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no evangelho” (Mc 1,15).

São João diz que “a vitória que vence o mundo é a nossa fé” (1 Jo 5,4). Esta é dom recebido no batismo. Ninguém crê no evangelho a partir de suas próprias forças, mas pelo dom de Deus recebido no batismo. Ensina Bento XVI: “Ao início do ser cristão, não está uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, dessa forma, o rumo decisivo” (Deus é Amor, n. 01).

Nesse tempo quaresmal a Igreja nos convida a rever nossa caminhada de batizados, de comprometimento com a pessoa de Jesus e com a Igreja. Convida a olhar onde estamos na caminhada cristã. Em que precisamos nos converter para vivermos uma fé de verdade: reta, sincera, comprometida. Convida-nos a verificar quais são as tentações que mais nos acometem e nas quais mais caímos. Coloca em nossas mãos os recursos que nos fortalecem contra o espírito do mal.

A vida de Jesus foi marcada pelas tentações do maligno que queria fazê-lo desviar-se da vontade do Pai. Também nós somos acometidos por todo tipo de tentação que nos quer desviar do caminho de Jesus. Sozinhos não damos conta do mal. Mas com a força de Deus podemos vencê-lo. Então busquemos nesta fonte inesgotável as energias e o sustento que nos colocam em permanente estado de conversão a uma vida sempre mais parecida com a vida do Mestre Jesus.

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O DESERTO

“O Espírito levou Jesus para o deserto” (Mc 1,12). O deserto, na Sagrada Escritura, é um categoria teológica. Ao mesmo tempo que é um lugar de oração, de encontro e escuta de Deus, é também um lugar de provas e tentações: “Aí Jesus foi tentado por Satanás”.

É importante considerar que Jesus foi ‘levado’. Ele não foi por conta própria, por si mesmo. Também, nós cristãos, somos levados para o deserto da vida, para situações de incompreensão, de falta de fé, de desprezo da religião, ou mesmo de crises pessoais de fé e de sentido de vida. Quantas vezes somos questionados a respeito da religião e da fé! Qual é mesmo o sentido de participar de uma comunidade, de realizar essa ou aquela expressão de fé? Esses embates ajudam a amadurecer nossa fé: podemos passar de uma fé infantil a uma fé adulta, responsável, comprometida.

No evangelho, Satanás é o mesmo que Adversário, Inimigo de Deus. Aquele que age sempre contra o bem e a justiça. Acompanhando o noticiário sobre a corrupção generalizada no nosso País, a disseminação do ódio (até mesmo dentro da Igreja e nas religiões), notamos a ação de Satanás, o Adversário, que leva o ser humano a agir egoisticamente, lesando o Estado, a comunidade, os pobres, por vezes a própria família, gerando divisão e discórdia. E sem peso de consciência! Sem nenhum escrúpulo.

A corrupção que não está somente nos altos escalões de governos e empresas, mas que se repete, guardadas as proporções, nos pequenos espaços e negócios de família, de vizinho, de trabalho, está instalada nas estruturas sociais. Vivemos uma espécie de cultura da corrupção. Para nossa tristeza, a afirmação “sem desonestidade não se pode sobreviver nesse País”, ganha força cada vez maior.

O deserto pode ser, pois, a escola, o ambiente de trabalho, a rua, a política, os espaços de jogos, o shopping, o roçado, até mesmo a comunidade eclesial. Enfim, aquelas realidades que podem nos aproximar de Deus bem como nos afastar dele.

O que importa é não perdermos de vista o Espírito Santo que nos leva ao deserto e que nos fortalece no combate contra o mal. Se no deserto havia os ‘animais selvagens’, ou seja, aquelas tentações que sempre ameaçam o projeto de Jesus, havia também os ‘anjos’ que o serviam, ou seja, o cuidado e carinho de Deus Criador para com aqueles que lhe são fiéis na prova. Importa crer que o Senhor não nos abandona jamais! Na força dele vencemos as forças do mal.

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Campanha da Fraternidade 2021

“São muitas as cruzes presentes em nosso país”, nos lembra a Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano. A violência tem crescido muito. As mulheres são um dos grupos mais atingidos. Chacinas de pessoas em vulnerabilidade social. Sem falar das agressões ao meio ambiente: “O modo capitalista de produção, consumo e descarte, põe em risco a casa comum” (Texto-Base, 75).

“A fé em Jesus Cristo é o vínculo que une a comunidade e garante que experimentemos os sinais do Reino de Deus entre nós: o amor, a benevolência, o perdão, a liberdade e a graça (Ef 1,3-8). Para superar os conflitos oriundos das ameaças do contexto social mais amplo, a orientação é que pratiquem solidariedade mutua e compreendam que estão integrados ao edifício cuja pedra fundamental é Cristo. Por isso, as pessoas que compõem a comunidade precisam reconhecer-se como concidadãos e concidadãs do povo de Deus (Ef 2,19-20). Desse modo, os cristãos e as cristãs não devem esperar nada de espetacular, que não seja o humilde exercício da fé solidária e o serviço mútuo” (Texto-Base, 113).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

De um coração petrificado a um olhar cristificado

aureliano, 04.04.19

5º Domingo da Quaresma - 07 de abril - C.jpg

5º Domingo da Quaresma [07 de abril de 2019]

[Jo 8,1-11]

Estamos nos aproximando da celebração da Páscoa do Senhor. Esse tempo da quaresma quer-nos ajudar a perceber onde estamos e por onde devemos caminhar. A conversão é a palavra central, pois sem este exercício não se vive a proposta de Jesus. A proposta para desviar-nos do caminho de Jesus é-nos feita constantemente pelas forças do mal. Os textos bíblicos deste tempo vêm-nos ajudar a rever nossa caminhada batismal. Que diferença tem feito em nossa vida sermos batizados ou não?

O relato do evangelho deste domingo é muito conhecido. Está dentro do evangelho de João, mas certamente não é escrito joanino, pois seu gênero literário não coincide com o de João. A crítica literária o coloca mais próximo de Lucas, sugerindo que ele deveria estar em Lc 21,38. Nem todos os manuscritos trazem esse relato dentro do evangelho de João.

Uma vez que esse texto foi reconhecido pela comunidade cristã como texto inspirado por Deus, o que nos interessa mesmo no evangelho de hoje é que ele traz um grande ensinamento para nós e nossas comunidades. Fazendo memória do evangelho do domingo passado (parábola do Pai misericordioso), notamos aqui mais uma confirmação do rosto misericordioso do Pai que Jesus nos veio revelar. É uma realização prática daquelas palavras da Escritura: “Quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt 12,7). E ainda: “Não quero a morte do pecador, mas que ele se converta e viva” (Ez 33,11).

Quando o evangelho diz que o povo ficava em volta de Jesus para escutá-lo significa que ele tinha algo de novo, que fazia a diferença na vida daquelas pessoas. Como diz Marcos: “Ele ensinava como quem tem autoridade, e não como os escribas” (Mc 1,22).

Trazem uma situação para Jesus resolver: uma mulher surpreendida em flagrante adultério. (Só não trouxeram o homem que adulterava com ela!). Aliás, já estava resolvido para os mestres da Lei e os fariseus: “Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres”. O gesto de Jesus de se inclinar e escrever com o dedo no chão pode indicar que estava dando um tempo e pensando como iria responder àquela pergunta capciosa. É a indicação de que a gente não deve responder sem pensar a perguntas e situações que envolvem a vida dos outros. É preciso parar, pensar, rezar, pedir inspiração ao Espírito Santo. Foi o que fez Jesus.

E a resposta sábia de Jesus colocou todos ‘contra a parede’: “Quem dentre vós não tiver pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. Com essa resposta Jesus quis dizer que a ninguém é permitido tirar a vida do outro, por maior que seja o seu pecado ou o seu crime.

Com essas palavras e atitudes Jesus condena a pena de morte. Por aí se vê claramente como algumas atitudes do Governo brasileiro eleito no último pleito estão na contramão do Evangelho ao fazerem a defesa explícita do armamento da população e de propostas congêneres. Não basta dizer que tem fé em Deus, frequentar o templo ou citar frases bíblicas soltas, descontextualizadas. Todo texto fora de contexto se torna pretexto.

Não se combate o mal com violência. Não há notícia na face da terra de que alguma violência tenha trazido algum benefício. Já a tolerância, a misericórdia, o perdão, a reconciliação sim. É preciso quebrar a corrente da violência. É preciso mudar de lente e de coração. Muito interessante observar o olhar de Jesus. Não condena, mas salva. Enquanto os homens viam uma adúltera, Jesus via uma mulher.

O perdão de Deus antecede nosso arrependimento: Esse relato nos quer fazer compreender também que o perdão de Deus é gratuito. Deus não nos perdoa porque nos arrependemos. Não! Na verdade nós nos arrependemos porque Deus nos perdoa. Em Lucas 7,47 encontramos Jesus na relação com aquela mulher pecadora que demonstra muito amor porque foi perdoada. Ou seja, Deus não nos perdoa porque amamos muito, mas nosso amor é resposta ao perdão que ele já nos deu. Deus nos perdoa sempre e sem condições. Se não fosse assim estaríamos esvaziando a Encarnação e a Cruz de Jesus. Não teria sentido sua vinda ao mundo! A salvação dependeria de nós e não da graça de Deus! Não precisamos ocultar nossa condição de pecadores, mas aceitá-la como lugar de perdão e de encontro profundo com Deus misericordioso.

Jesus não vê uma adúltera, mas uma mulher: Para o judeu piedoso, a santidade de Deus não admite diante de si qualquer realidade impura. E o Código de Santidade protegeu as mulheres em alguns aspectos, mas em outros trouxe muito embaraço devido à compreensão que se tinha de pureza. Vamos acompanhar o comentário de Frei Mesters, Ir Mercedes Lopes e Francisco Orofino:

“Desde Esdras e Neemias, a tendência oficial era de excluir a mulher de toda a atividade pública e de considerá-la inapta para qualquer função na sociedade, a não ser para a função de esposa e mãe. O que mais contribuiu para a sua marginalização foi a lei da pureza. A mulher era declarada impura por ser mãe, por ser esposa, por ser filha, por ser mulher. Por ser mãe: dando à luz, ela se torna impura. Por ser filha: o filho que nasce traz 40 dias de impureza; mas a filha, 80 dias! (cf. Levítico 12) Por ser esposa: a relação sexual a torna impura durante um dia (Levítico 15,18). A mulher menstruada ficava sete dias impura. E quem a tocasse também se tornava impuro por contágio (Levítico 15,19-23). E não havia meio para uma mulher manter sua impureza em segredo, pois a lei obrigava as outras pessoas a denunciá-la. Esta legislação tornava insuportável a convivência diária em casa. Durante sete dias em cada mês, a mãe de família não podia deitar na cama, nem sentar-se numa cadeira, nem tocar nos filhos ou no marido, se não quisesse contaminá-los! Esta legislação é fruto de uma mentalidade segundo a qual a mulher era inferior ao homem. Alguns provérbios revelam essa discriminação da mulher. A marginalização chegou ao ponto de se considerar a mulher como a origem do pecado e da morte e a causa de todos os males (Eclesiástico 25,24).

Desta maneira se justificavam e se mantinham o privilégio e a dominação do homem sobre a mulher. Por exemplo, se um homem depois de algum tempo de casado, não gostasse mais da sua mulher, podia livrar-se dela dizendo que ela já não era virgem quando se casaram. Se os pais da mulher não conseguissem provar o contrário, ela seria apedrejada (Deuteronômio 22,13ss). A lei em relação ao divórcio é outro exemplo do privilégio do homem, pois somente ele tinha o direito de pedir o divórcio, mandando a mulher embora se já não a quisesse (Deuteronômio 24,1-4). A lei previa a morte do casal adúltero, mas na prática somente a mulher era julgada e condenada por adultério” (www.cebi.com).

Felizmente, há outros textos e livros da Sagrada Escritura que mostram a ação de Deus no mundo através da mulher. Temos o livro do Cântico dos Cânticos, Rute, Judite, Ester. Maria, mãe de Jesus, tem uma participação ímpar nessa história de salvação! Então é preciso mudar a mentalidade em relação à mulher, romper com o machismo ainda tão presente na sociedade e construirmos uma sociedade de igualdade de direitos e deveres. Isso precisa começar dentro de nossa casa, de nossa Igreja.

Os pequenos gestos de acolhida, de reconhecimento, de perdão, de respeito podem transformar a maneira de pensar e de viver da sociedade. Isso é conversão: de um olhar condenatório a um olhar transformado por uma vida em Cristo. Um olhar e um coração transfigurados por Cristo ressuscitado. Eis o ideal cristão.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Entre a aclamação e o insulto

aureliano, 23.03.18

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Domingo de Ramos [25 de março de 2018]

[Mc 11,1-10 (Ramos) e Mc 14,1 – 15,47 (Paixão)]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrita pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da paixão do Senhor. Ficaremos então atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos mais profundamente no Mistério profundo da entrega de Jesus, manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor.

Este domingo se chama, na verdade, Domingo da Paixão nos Ramos. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto, celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito o que vem em nome do Senhor” e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Algumas considerações: Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele?

Ainda mais: as pessoas espalhavam roupas e ramos pelo caminho aclamando a Jesus. E nós? Aplaudimos Jesus passando pela Cruz até à sua Ressurreição? Temos dado algo de nós para Jesus passar? Notamos que ele passa diante de nós no irmão que sofre?

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é nenhum suicida! A paixão e sofrimento por que passa é consequência de sua fidelidade ao Pai. A contemplação de Cristo na cruz deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica os menores. Quem é que sofre mais em consequência do mau atendimento do SUS, da falta de médicos e medicamentos? Quem é que morre em consequência de desvio de verbas, da propina, da corrupção sistematizada, dos jogos políticos para se ganharem e venderem cargos?

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Às vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto e o insultamos no rosto do desvalido! Por vezes nos silenciamos diante da maldade perpetrada. Atribui-se a Martin Luther King uma frase de valor inquestionável: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. O silêncio pode esconder cumplicidade no crime e na maldade. Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa na busca de um caminho de manifestação da bondade do Pai em nossas ações cotidianas. Fecundar a sociedade estéril, porque individualista e narcisista, com uma atitude de quem serve: “Eu vim para servir” (Mt 20,28).

E, nas trilhas da superação da violência, queremos nos lembrar de que somos todos irmãos (cf. Mt 23,8). Ninguém, pois, tem o direito de tirar a vida de ninguém; ninguém pode morrer à míngua; ninguém pode sofrer violência seja de qualquer natureza; ninguém pode ser abandonado à sua própria sorte; ninguém pode ser discriminado por motivos de raça, religião, orientação sexual ou condição social.

Portanto, a celebração da entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo. Uma vida entregue livremente para que toda violência e maldade fossem eliminadas da face da terra. Eis a nossa missão.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Reconfigurar-nos à imagem do Filho

aureliano, 23.02.18

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2º Domingo da Quaresma [25 de fevereiro de 2018]

 [Mc 9,2-10]

O finalzinho do capítulo 8 de Marcos relata as exigências do seguimento de Jesus: “Se alguém quer vir em meu seguimento, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Em seguida traz o relato da Transfiguração como a convidar o discípulo a dar uma ‘espiadinha’ no céu. É Jesus revelando sua glória a seus discípulos para que confiassem nele: é o Filho de Deus, Salvador.

No último domingo (1º da quaresma), acompanhamos Jesus, levado pelo Espírito ao deserto, sendo tentado pelo adversário do projeto salvífico e libertador do Pai. Na força do mesmo Espírito Jesus venceu o tentador. Aquele tempo de preparação para a sua missão foi árduo. Mas Jesus não se deixou abater. Venceu a tentação que queria desviá-lo da vontade do Pai.

Hoje Jesus sobe a montanha. Se no deserto ele passou pela tentação, aqui ele faz um encontro com o Pai. O Deserto é lugar da prova, da tentação: ouve-se a voz de Satanás. A Montanha é lugar do encontro com o Senhor: ouve-se a voz de Deus. Essa realidade nos remete à doutrina dos “dois caminhos” de que falava a Lei de Moisés: “Eu te proponho a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolhe, pois, a vida para que vivas” (cf. Dt 30, 15-20). E também aquela divisão interna que há dentro de nós e que fazia Paulo exclamar: “Querer o bem está ao meu alcance, não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero” (cf. Rm 7, 14-20).

Na montanha, Moisés e Elias se encontraram com Deus e receberam d’Ele as instruções para a sua missão. Por isso o evangelista apresenta essas duas figuras memoráveis do Primeiro Testamento. Moisés representa a Lei e a libertação do povo das mãos do Faraó. Elias representa o profetismo, pois libertou o povo da idolatria que oprimia Israel. Jesus aparece na cena como alguém superior a Moisés e Elias. As roupas brilhantes, o fato de eles estarem conversando com ele, tudo mostra Jesus como centro do relato. Isso significa que Jesus está para além dessas figuras proeminentes do passado: é o “Filho amado do Pai”.

Pedro gostou daquela amostragem do paraíso. Queria ficar por ali. “É bom ficarmos aqui. Façamos três tendas”. Representa o discípulo acomodado, que quer experimentar a Páscoa sem passar pela Sexta-feira da Paixão. Que quer fugir dos embates cotidianos, da luta cotidiana pelo Reino. Quer glória sem cruz. Não quer “descer” a montanha para a missão.

A voz do Pai identifica seu filho: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!”. É ele que veio oferecer sua vida pela salvação da humanidade. O Pai o entrega, como Abraão outrora entregou seu filho Isaac (cf. Gn 22, primeira leitura da missa de hoje). “Deus, com efeito, amou tanto o mundo que deu o seu Filho, o seu Único, para que todo homem que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). No batismo o Pai se dirige ao próprio filho: “Tu és o meu Filho bem amado” (Mc 1, 11). Aqui o Pai apresenta seu filho ao mundo: “Este é o meu Filho amado”. Aquele que fora consagrado e confirmado no batismo e no deserto, deve ser acreditado, seguido, ouvido. Por isso a insistência: “Escutai-o”. É preciso prestar atenção, ouvir com ouvido de discípulo, a cada manhã (cf. Is 50, 4-5; 55, 3).

“Olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles”. Isto é, os discípulos não têm outro mestre (nem Moisés nem Elias), a não ser Jesus: “Um só é o vosso mestre” (Mt 23, 10).

O relato da transfiguração do Senhor, na liturgia quaresmal, quer ajudar o discípulo de Jesus a firmar-se na fé n’Aquele que será contemplado sem figura de homem na cruz, reconhecendo-o como o Filho de Deus, cheio da beleza divina, por alguns momentos oculta no véu da carne, mas que será manifestada na glória do Pai.

O discípulo deve também, por sua vez, rezar sua própria transfiguração em Cristo. E trabalhar para que os rostos desfigurados pela dor e sofrimento produzidos por uma sociedade que exclui, discrimina e escraviza, que se pauta pela competição e que valoriza a pessoa pelo que tem e não pelo que é, sejam reconfigurados ao rosto do Cristo transfigurado. Na medida em que ajudamos os irmãos sofredores a minimizarem sua dor, estamos transfigurando seu rosto no Cristo ressuscitado.

O dar-se de Cristo pela salvação do mundo, mistério que celebramos em cada Eucaristia, nos move a sair do nosso egoísmo na direção de uma entrega mais generosa e gratuita, tornando mais visíveis os frutos da Eucaristia: fraternidade, simplicidade, alegria, generosidade, solidariedade, partilha, perdão.

Campanha da Fraternidade 2018: superar a violência social e familiar.

“A desigualdade gera violência. Isso não quer dizer que os excluídos reajam violentamente. Bem mais grave do que isso, o sistema econômico pautado na promoção da desigualdade produz violência, na medida em que favorece o bem-estar de uma pequena parcela enquanto nega oportunidades de desenvolvimento a milhões de pessoas. Não parece razoável esperar que haja tranqüilidade enquanto, sistematicamente, pessoas são marginalizadas. A injustiça social traz consigo a morte” (Texto-Base, n. 72).

“O Mapa da Violência registra que, no ano de 2014, diariamente, 405 mulheres demandaram atendimento médico em unidades de saúde por terem sofrido algum tipo de violência doméstica, sexual ou outras formas de agressão. A cada três vítimas de violência, duas eram mulheres. Quando se consideram as formas de violência não letal, os números são diversos, mas se mantém a mesma realidade que faz do lar um lugar preponderante para as agressões contra as mulheres” (Texto-Base, n. 86).

“Em todo o mundo, conforme revela a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente, uma em cada seis pessoas (16%) com mais de 60 anos de idade já sofreu algum tipo de abuso. O agressor quase sempre é um familiar, notadamente filhos ou cônjuge. A obrigatoriedade da notificação dos maus tratos contra pessoas idosas é recente, mas os números vêm se avolumando a cada ano. Refletem, talvez, um maior esclarecimento” (Texto-Base, n. 91).

“Outro grupo que é vítima de violência dentro de casa é composto pelas crianças e adolescentes. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), não há dados que revelem a extensão dessa forma de violência. Muitas situações de agressão são naturalizadas e não chegam a ser nomeadas como casos de violência: são percebidas como práticas normais da educação e da convivência familiar. O abuso sexual, os ataques verbais ou físicos e a negligência constituem as formas de violência mais comuns enfrentadas por crianças e adolescentes no ambiente familiar” (Texto-Base, n. 92).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN