O que estamos buscando?
2º Domingo do Tempo Comum [14 de janeiro de 2024]
[Jo 1,35-42]
Estamos no Tempo Comum da liturgia da Igreja. Esse tempo é caracterizado pelo cotidiano, que não deve ser menosprezado, mas alimentado pela contemplação dos mistérios da vida de Cristo. A cor verde recorda a esperança que deve alimentar o cristão, e o pinheiro, árvore forte que conserva seu verdor em meio às áridas estações, recorda ao cristão sua missão de ser forte, esperançoso e perseverante em meio às provações cotidianas.
A liturgia da Palavra deste domingo quer ajudar a comunidade a refletir sobre o chamado que Deus faz a cada um para cumprir sua missão neste mundo. Na primeira leitura temos Samuel sendo chamado pelo Senhor, ainda menino, para cumprir uma missão de profeta. E no Evangelho encontramos João relatando o encontro dos primeiros discípulos com Jesus.
De modo geral, quando se fala em vocação, entende-se que a pessoa vocacionada vai se tornar freira ou padre. O termo ficou associado apenas a esse estado de vida na Igreja. É preciso romper com essa compreensão, pois ela mata o sentido profundo que lhe é próprio. Pelo simples fato de estar no mundo, o ser humano está em estado de vocação. Deus criou o homem e a mulher e os colocou no mundo para que cuidassem dele e vivessem em paz uns com os outros. É preciso que cada um busque “escutar” a Deus para perceber a que missão brota de um chamado. Para isso é preciso parar, rezar e escutar: “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1Sm 3,10). E depois, dizer com liberdade: “Aqui estou, Senhor, para fazer a tua vontade” (cf. Sl 40,8-9).
Esse relato do encontro de Jesus com seus primeiros discípulos nos desperta para um caminho muito interessante. Ao ouvirem a proclamação que Jesus é o Cordeiro de Deus, dois discípulos de João Batista seguiram a Jesus. Vendo que eles o seguiam, Jesus perguntou-lhes: “Que estais procurando?”.
Essa pergunta de Jesus aos seus primeiros seguidores ressoa no fundo de nossa alma: “Que procurais?”. Fala de busca, de procura, de desejo mais profundo. São as primeiras palavras de Jesus no evangelho de João. Calam fundo em noss’alma. O que buscamos mesmo em nossa vida: Dinheiro? Fama? Sucesso? Poder? Cura de enfermidade? Ausência de preocupações? Vencimentos no final do mês? Comprar e vender? Cuidar de patrimônio, de herança, de bens? Ocupar-se o dia todo com redes sociais? – Afinal, o que é mesmo objeto de nossas buscas cotidianas? Em que investimos nossas energias e preocupações?
O salmista rezava: “Desde a aurora minh’alma vos procura” (Sl 62,2). Esse clamor mostra o que se passa nas profundezas do ser humano: busca, procura intensa, desejo insaciável. Somente o Amor Eterno e Insondável, manifestado na pessoa de Jesus de Nazaré, poderá saciar a procura mais profunda do ser humano. Se ele provoca o ser humano com uma pergunta que lhe toca a alma, aponta o caminho que deve ser seguido: “Vinde e vede”. Não há caminho qualquer. Ele, Jesus de Nazaré, é o Caminho.
Este convite de Jesus pressupõe a resposta humana. A iniciativa de salvação é de Deus, mas ao ser humano compete responder sim ou não. Ao convite divino o ser humano deve responder com atitude efetiva: ir e ver. Diferentemente da revelação de Deus a Samuel em que o Senhor se lhe manifesta e dá-lhe uma missão, Jesus convida os discípulos para “ver”, ou seja, para estar com ele. Os discípulos devem concentrar sua atenção na pessoa de Jesus e assimilar suas atitudes de misericórdia, de cuidado, de entrega ao Pai e aos irmãos. Em Jesus os discípulos descobrirão a resposta de Deus para suas buscas. O encontro com o Pai se dá, a partir de então, na pessoa de Jesus, que se deixa encontrar por aqueles que o buscam.
“Vinde e vede”. “Vir” significa a posse da fé: “Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome; aquele que crê em mim não terá mais sede” (Jo, 6,35). “Ver” é a visão da fé. O relato do cego de nascença (João 9) é uma cena que mostra de modo brilhante como se dá o processo do “ver”: “O homem que se chama Jesus fez lama, esfregou-a nos meus olhos e me disse: ‘Vai a Siloé e lava-te’. Então, eu fui, lavei-me e recuperei a vista” (Jo 9,11).
Finalmente, temos que os discípulos “permaneceram com ele naquele dia”: foi o processo de iniciação dos discípulos na escola que os tornou continuadores da missão de Jesus. Prova de que se apaixonaram por Jesus e se tornaram missionários é o fato de, logo em seguida, André ir ao encontro do seu irmão, Simão, para anunciar-lhe que havia encontrado o Messias. E o conduziu a Jesus. O discípulo missionário se forja na convivência com Jesus, no “vinde e vede”.
É preciso estar atento ao chamado de Deus. Ele chama a todos. A missão é específica para cada um. Ninguém tem a mesma missão. É preciso se colocar em atitude orante para observar, como Samuel e os primeiros discípulos, a que o Senhor chama, respondem ao seu chamado. Os dotes pessoais, as necessidades da comunidade, as propostas da sociedade são sinais de Deus para que cada um descubra seu lugar no mundo, na história, como colaborador de Deus. Essa vocação se realiza na consagração religiosa, no casamento, na vida profissional, na política, na cultura. Não importa o caminho, mas importa que cada um busque realizar o projeto de Deus para a humanidade. É preciso estar atento. Os discípulos estavam à procura. Uma vida dispersiva dificulta muito perceber a voz de Deus. Importa disponibilidade na oração. Sem esta, a vocação não tem vez.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN