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O que estamos buscando?

aureliano, 13.01.24

2º dom. TC B.jpg

2º Domingo do Tempo Comum [14 de janeiro de 2024]

[Jo 1,35-42]

Estamos no Tempo Comum da liturgia da Igreja. Esse tempo é caracterizado pelo cotidiano, que não deve ser menosprezado, mas alimentado pela contemplação dos mistérios da vida de Cristo. A cor verde recorda a esperança que deve alimentar o cristão, e o pinheiro, árvore forte que conserva seu verdor em meio às áridas estações, recorda ao cristão sua missão de ser forte, esperançoso e perseverante em meio às provações cotidianas.

A liturgia da Palavra deste domingo quer ajudar a comunidade a refletir sobre o chamado que Deus faz a cada um para cumprir sua missão neste mundo. Na primeira leitura temos Samuel sendo chamado pelo Senhor, ainda menino, para cumprir uma missão de profeta. E no Evangelho encontramos João relatando o encontro dos primeiros discípulos com Jesus.

De modo geral, quando se fala em vocação, entende-se que a pessoa vocacionada vai se tornar freira ou padre. O termo ficou associado apenas a esse estado de vida na Igreja. É preciso romper com essa compreensão, pois ela mata o sentido profundo que lhe é próprio. Pelo simples fato de estar no mundo, o ser humano está em estado de vocação. Deus criou o homem e a mulher e os colocou no mundo para que cuidassem dele e vivessem em paz uns com os outros. É preciso que cada um busque “escutar” a Deus para perceber a que missão brota de um chamado. Para isso é preciso parar, rezar e escutar: “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1Sm 3,10). E depois, dizer com liberdade: “Aqui estou, Senhor, para fazer a tua vontade” (cf. Sl 40,8-9).

Esse relato do encontro de Jesus com seus primeiros discípulos nos desperta para um caminho muito interessante. Ao ouvirem a proclamação que Jesus é o Cordeiro de Deus, dois discípulos de João Batista seguiram a Jesus. Vendo que eles o seguiam, Jesus perguntou-lhes: “Que estais procurando?”.

Essa pergunta de Jesus aos seus primeiros seguidores ressoa no fundo de nossa alma: “Que procurais?”. Fala de busca, de procura, de desejo mais profundo. São as primeiras palavras de Jesus no evangelho de João. Calam fundo em noss’alma. O que buscamos mesmo em nossa vida: Dinheiro? Fama? Sucesso? Poder? Cura de enfermidade? Ausência de preocupações? Vencimentos no final do mês? Comprar e vender? Cuidar de patrimônio, de herança, de bens? Ocupar-se o dia todo com redes sociais? – Afinal, o que é mesmo objeto de nossas buscas cotidianas? Em que investimos nossas energias e preocupações?

O salmista rezava: “Desde a aurora minh’alma vos procura” (Sl 62,2). Esse clamor mostra o que se passa nas profundezas do ser humano: busca, procura intensa, desejo insaciável. Somente o Amor Eterno e Insondável, manifestado na pessoa de Jesus de Nazaré, poderá saciar a procura mais profunda do ser humano. Se ele provoca o ser humano com uma pergunta que lhe toca a alma, aponta o caminho que deve ser seguido: “Vinde e vede”. Não há caminho qualquer. Ele, Jesus de Nazaré, é o Caminho.

Este convite de Jesus pressupõe a resposta humana. A iniciativa de salvação é de Deus, mas ao ser humano compete responder sim ou não. Ao convite divino o ser humano deve responder com atitude efetiva: ir e ver. Diferentemente da revelação de Deus a Samuel em que o Senhor se lhe manifesta e dá-lhe uma missão, Jesus convida os discípulos para “ver”, ou seja, para estar com ele. Os discípulos devem concentrar sua atenção na pessoa de Jesus e assimilar suas atitudes de misericórdia, de cuidado, de entrega ao Pai e aos irmãos. Em Jesus os discípulos descobrirão a resposta de Deus para suas buscas. O encontro com o Pai se dá, a partir de então, na pessoa de Jesus, que se deixa encontrar por aqueles que o buscam.

“Vinde e vede”. “Vir” significa a posse da fé: “Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome; aquele que crê em mim não terá mais sede” (Jo, 6,35). “Ver” é a visão da fé. O relato do cego de nascença (João 9) é uma cena que mostra de modo brilhante como se dá o processo do “ver”: “O homem que se chama Jesus fez lama, esfregou-a nos meus olhos e me disse: ‘Vai a Siloé e lava-te’. Então, eu fui, lavei-me e recuperei a vista” (Jo 9,11).

Finalmente, temos que os discípulos “permaneceram com ele naquele dia”: foi o processo de iniciação dos discípulos na escola que os tornou continuadores da missão de Jesus. Prova de que se apaixonaram por Jesus e se tornaram missionários é o fato de, logo em seguida, André ir ao encontro do seu irmão, Simão, para anunciar-lhe que havia encontrado o Messias. E o conduziu a Jesus. O discípulo missionário se forja na convivência com Jesus, no “vinde e vede”.

É preciso estar atento ao chamado de Deus. Ele chama a todos. A missão é específica para cada um. Ninguém tem a mesma missão. É preciso se colocar em atitude orante para observar, como Samuel e os primeiros discípulos, a que o Senhor chama, respondem ao seu chamado. Os dotes pessoais, as necessidades da comunidade, as propostas da sociedade são sinais de Deus para que cada um descubra seu lugar no mundo, na história, como colaborador de Deus. Essa vocação se realiza na consagração religiosa, no casamento, na vida profissional, na política, na cultura. Não importa o caminho, mas importa que cada um busque realizar o projeto de Deus para a humanidade. É preciso estar atento. Os discípulos estavam à procura. Uma vida dispersiva dificulta muito perceber a voz de Deus. Importa disponibilidade na oração. Sem esta, a vocação não tem vez.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Maria nos inspira a viver em Deus

aureliano, 18.08.23

assunção de nossa senhora.jpg

Assunção de Nossa Senhora [20 de agosto de 2023]

 [Lc 1,39-56]

UM POUCO DE HISTÓRIA

A solenidade da Assunção de Maria, Mãe de Jesus, foi celebrada pela Igreja desde eras antigas. O nome da festa era Dormição de Maria. Isto é, Maria, depois de sua peregrinação neste mundo, ‘repousou no Senhor’. A celebração deste acontecimento está intimamente associada à ressurreição de Jesus. A Páscoa da Virgem traz no centro, não a Mãe, mas o Filho, para quem o olhar do fiel se deve voltar. Aquela que colaborou para a Encarnação do Filho de Deus deve participar da sua Ressurreição. Na festa da Assunção de Maria se revela aquilo que todo homem e mulher anseiam: ser acolhidos inteiramente no céu.

O dogma da Assunção de Maria, festejado a 15 de agosto, tem nomes diferentes, como Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora dos Prazeres etc. Foi proclamado por Pio XII, em 1950, com a Bula ‘Munificentissimus Deus’, com o seguinte texto: Definimos ser dogma divinamente revelado: que a imaculada mãe de Deus, sempre virgem Maria, cumprindo o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória eterna”.

A bíblia não fala nada a respeito do final da vida de Maria. São João mostra que ela, aos pés da cruz, foi adotada pela comunidade como mãe (Jo 19, 27). Lucas nos diz que ela estava junto ao grupo que se preparava para a vinda do Espírito Santo, em Pentecostes (At 1,13s e 2,1). Então a bíblia não conta detalhes sobre o final da vida de Maria.

Nos primeiros séculos, os cristãos tinham o costume de guardar os restos mortais dos santos, especialmente dos apóstolos e mártires. Não há, porém, nenhuma notícia sobre o corpo de Maria. Alguns evangelhos chamados apócrifos, isto é, aqueles relatos sobre a vida de Jesus e dos atos apostólicos que não entraram na ‘lista’ (cânon) dos livros que a Igreja considerou inspirados por Deus, contam histórias da chamada Dormição de Maria. E assim, no século VIII, a devoção popular criou uma história para contar como se deu a morte e a ressurreição de Maria.

ASSUNÇÃO DE MARIA E RESSURREIÇÃO DE JESUS

O dogma da Assunção só pode ser compreendido em relação à Ressurreição de Jesus. Maria, diferente de nós, não precisou esperar o fim dos tempos para receber um corpo glorificado. Depois de sua vida terrena ela já está junto de Deus com o corpo transformado, cheio de graça e luz.

Ainda mais. Não podemos entender a Assunção como se Maria subisse ao céu com o corpo que ela possuía aqui na terra, com ossos, pele, carne, sangue. Não é assim que a Igreja interpreta a ressurreição dos mortos. O corpo de Jesus ressuscitado e o de Maria assunta foram transformados e assumidos por Deus. Paulo deixa bem claro: “... O mesmo se dá com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semeado desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,42-44a).  Por isso cremos que Maria já está glorificada junto de Deus, toda inteira. Ela antecipa o que está prometido para cada um de nós: participar do banquete da Vida que o Senhor preparou para “aqueles que o amam” (cf. 1Cor 2,9).

O cântico de Maria no evangelho de hoje diz que o Senhor “olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor... Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs os poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou”. Aí está a ação de Deus na vida de Maria, a humilde serva do Senhor, que decidiu responder sim ao chamado de Deus para participar na obra da salvação da humanidade. Sua humildade e fidelidade ao projeto do Reino de Deus lhe valeram a participação na glória de Deus, ao lado de seu Filho. Maria é aqui figura da Igreja, que deve levar adiante, não obstante as perseguições e sua pequenez, a missão de Jesus.

REFLETINDO SOBRE O EVANGELHO DE HOJE

O evangelho da liturgia de hoje traz dois relatos: a Visita de Maria a Isabel e o chamado ‘Cântico de Maria’. O primeiro mostra Maria como aquela que assumiu inteiramente o projeto do Pai na sua vida. Não mede esforços para prestar um serviço à sua parenta em necessidade. E no seu encontro com Isabel manifesta-se a sua fé profunda: “Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido”. Todo aquele que deposita sua confiança em Deus, colaborando na realização do sonho de Deus para a humanidade, é feliz. O relato manifesta também o reconhecimento por parte de Isabel de que aquele que Maria trazia no seio é o Senhor: “Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?”. Maria é Mãe de Deus e bem-aventurada: “Bendita és tu entre as mulheres”.

O segundo relato é um hino inspirado no cântico de Ana (1Sm 2, 1-10) que canta a ação de Deus em favor da humanidade. É um hino jubiloso que proclama a derrubada dos poderosos e a elevação dos humildes pela ação de Deus em Jesus. É a oração dos pobres que confiam em Deus e no seu poder sobre o mal. Um hino que empenha o fiel nessa luta como Maria.

CONSEQUÊNCIAS PARA A VIDA CRISTÃ

Quando lemos o evangelho e vemos Maria assumindo como primeira atitude, depois de ter acolhido em seu seio o Filho de Deus, a de levar seus préstimos para a prima Isabel, somos levados a pensar em nossas atitudes. Nossa sociedade se deixa levar cada vez mais por uma atitude egoísta que leva a terceirizar a caridade e os cuidados para com aqueles que, por vezes, de dentro da nossa casa, são considerados peso e empecilho para passeios, curtição, jogos, prazeres, baladas...

Mas é preciso ressaltar, porém, que ainda nos deparamos com famílias que cuidam dos seus familiares com afeto, carinho, respeito e dedicação. Pessoas com necessidades especiais cuidadas com um zelo divinal, marial. Uma presença muito parecida com a de Maria: escuta da pessoa idosa que quer contar um caso, visita a um casal em dificuldade de relacionamento entre si ou com os filhos, presença nos abrigos, asilos, orfanatos e hospitais onde se encontram pessoas passando por sofrimento e dificuldades.

Para além dos gestos personalizados de caridade, faz-se necessário empenho na luta por políticas públicas que atendam às necessidades dos menos favorecidos. Refletir seriamente, iluminados pela Palavra de Deus e da Igreja, sobre em quem votar para o exercício de cargos públicos. Participação em conselhos comunitários e associações que se empenham pelos direitos do cidadão e da comunidade, sobretudo nestes últimos tempos em que houve grandes perdas de direitos adquiridos. São gestos simples que nos colocam em sintonia com o ensinamento de Jesus e com as atitudes de fidelidade de Maria, sua Mãe. A recomendação permanente do Papa Francisco é que a Igreja se coloque “em saída”, como “hospital de campanha” que não pergunta pelos motivos das feridas, mas que se preocupa em cuidar, aliviar o sofrimento.

A glorificação de Maria foi o resultado do seu peregrinar à luz de Deus nesse mundo. Cada vez que ela dava novos passos para seguir a Jesus, para buscar a vontade de Deus, o Senhor assumia e transformava sua pessoa. Até que chegou o momento final. É o que está reservado para nós! Na vida de fé, cada passo novo que damos é uma resposta ao amor da parte de Deus a nos acolher, tomar pela mão, assumir e transformar. A nós resta-nos deixar que Deus nos tome pela mão e nos faça discípulos fiéis, dedicados, humildes e perseverantes como Maria, enquanto aguardamos a bendita esperança da ressurreição.

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*“Família, fonte de vocações”. Com esse tema a Igreja no Brasil quer ajudar as famílias a refletir sobre seu papel na Igreja e na sociedade. Sua missão como despertadora e promotora de uma resposta generosa, em Deus, aos apelos de nosso tempo. “É importante que as famílias se preocupem com a profissão de seus membros, mas antes, que se debrucem sobre a vontade de Deus para com cada pessoa na família. Proporcionar que, especialmente as crianças e os jovens, sintam o chamado de Deus, seja ao Matrimônio, ao Sacerdócio, à vida religiosa etc., o chamado foi Deus que fez, ninguém tem o direito de interferir nele, mas de facilitar sua descoberta” (Pe. Crispim Guimarães, secretário executivo da CNPF). Envolvidos pela onda capitalista, relativista e neoliberal, por vezes, os pais se preocupam somente em proporcionar uma profissão rendosa, um futuro brilhante para os filhos. Isso é um golpe na proposta de Jesus que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Dinheiro, carreira profissional, poder, sucesso não preenchem o coração humano, não plenificam o sentido de vida. É só olhar a vida dos santos: São Francisco, Santo Inácio, Santa Dulce dos Pobres, Servo de Deus Pe. Júlio Maria etc.

**Nosso abraço carinhoso às pessoas consagradas nesse seu dia: deixaram tudo para viver mais radicalmente o evangelho, numa vida semelhante à do Filho de Deus: pobre, casto e obediente. Um serviço generoso ao Reino “para que todos tenham vida”. Uma vida pobre na solidariedade com os empobrecidos, ‘sobrantes’, ‘invisíveis’, e na busca da partilha dos bens e dos dons: mesa comum. Uma vida obediente na solidariedade com os que não são ouvidos nem levados em conta: ouvidos atentos ao Pai e aos sinais dos tempos. Anúncio do Reino de Deus e denúncia dos males perpetrados contra a humanidade. Uma vida celibatária consagrada em solidariedade com aqueles que sofrem por falta de amor, de afeto; com aqueles e aquelas que não podem experimentar a beleza e a alegria da acolhida afetuosa e gratuita: abandonados, deserdados, abusados, explorados afetiva e sexualmente; uma contestação de uma sociedade baseada na busca do prazer ao preço da dignidade da pessoa humana. Que Maria, nossa boa Mãe, nos ajude a viver com alegria nossa consagração para que seja um “sacrifício de louvor”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A vocação cristã

aureliano, 15.01.21

2º Domingo do Tempo Comum [17 de janeiro de 2021]

[Jo 1,35-42]

Estamos no Tempo Comum da liturgia da Igreja. Esse tempo é caracterizado pelo cotidiano, que não deve ser menosprezado, mas alimentado pela contemplação dos mistérios da vida de Cristo. A cor verde recorda a esperança que deve alimentar o cristão e o pinheiro, árvore forte, recordando ao cristão que deve ser forte e perseverante.

A liturgia da Palavra deste domingo quer ajudar a comunidade a refletir sobre o chamado que Deus faz a cada um para cumprir sua missão neste mundo. Na primeira leitura temos Samuel sendo chamado pelo Senhor, ainda menino, para cumprir uma missão de profeta. E no Evangelho encontramos João relatando o encontro dos primeiros discípulos com Jesus.

De modo geral, quando se fala em vocação, entende-se que a pessoa vocacionada vai se tornar freira ou padre. O termo ficou associado apenas a esse estado de vida na Igreja. É preciso romper com essa compreensão, pois ela mata o sentido profundo que lhe é próprio. Pelo simples fato de estar no mundo, o ser humano está em estado de vocação. Deus criou o homem e a mulher e os colocou no mundo para que cuidassem dele e vivessem em paz uns com os outros. É preciso que cada um busque “escutar” a Deus para perceber a que missão é chamado. Para isso é preciso parar, rezar e escutar: “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1Sm 3,10). E depois, dizer com liberdade: “Aqui estou, Senhor, para fazer a tua vontade” (cf. Sl 40,8-9).

Esse relato do encontro de Jesus com seus primeiros discípulos nos desperta para um caminho muito interessante. Ao ouvirem a proclamação que Jesus é o Cordeiro de Deus, dois discípulos de João Batista seguiram a Jesus. Vendo que eles o seguiam, Jesus perguntou-lhes: “Que estais procurando?”.

Essa pergunta de Jesus aos seus primeiros seguidores ressoa no fundo de nossa alma: “Que procurais?”. Fala de busca, de procura, de desejo mais profundo. São as primeiras palavras de Jesus no evangelho de João. Calam fundo em noss’alma. O que buscamos mesmo em nossa vida: Dinheiro? Fama? Sucesso? Poder? Cura de enfermidade? Ausência de preocupações? Vencimentos no final do mês? Comprar e vender? Cuidar de patrimônio, de herança, de bens? Ocupar-se o dia todo com redes sociais? – Afinal, o que é mesmo objeto de nossas buscas cotidianas? Em quê investimos nossas energias e preocupações?

O salmista rezava: “Desde a aurora minh’alma vos procura” (Sl 62,2). Esse clamor mostra o que se passa nas profundezas do ser humano: busca, procura intensa, desejo insaciável. Somente o Amor Eterno e Insondável, manifestado na pessoa de Jesus de Nazaré, poderá saciar a procura mais profunda do ser humano. Se ele provoca o ser humano com um pergunta que lhe toca a alma, aponta o caminho que deve ser seguido: “Vinde e vede”. Não há caminho qualquer. Ele, Jesus de Nazaré, é o Caminho.

Este convite de Jesus pressupõe a resposta humana. A iniciativa de salvação é de Deus, mas ao ser humano compete responder sim ou não. Ao convite divino o ser humano deve responder com atitude efetiva: ir e ver. Diferentemente da revelação de Deus a Samuel em que o Senhor se lhe manifesta e dá-lhe uma missão, Jesus convida os discípulos para “ver”, ou seja, para estar com ele. Os discípulos devem concentrar sua atenção na pessoa de Jesus e assimilar suas atitudes de misericórdia, de cuidado, de entrega ao Pai e aos irmãos. Em Jesus os discípulos descobrirão a resposta de Deus para suas buscas. O encontro com o Pai se dá, a partir de então, na pessoa de Jesus, que se deixa encontrar por aqueles que o buscam.

“Vinde e vede”. “Vir” significa a posse da fé: “Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome; aquele que crê em mim não terá mais sede” (Jo, 6,35). “Ver” é a visão da fé. O relato do cego de nascença (João 9) é uma cena que mostra de modo brilhante como se dá o processo do “ver”: “O homem que se chama Jesus fez lama, esfregou-a nos meus olhos e me disse: ‘Vai a Siloé e lava-te’. Então, eu fui, lavei-me e recuperei a vista” (Jo 9,11).

Finalmente, temos que os discípulos “permaneceram com ele naquele dia”: foi o processo de iniciação dos discípulos na escola que os tornou continuadores da missão de Jesus. Prova de que se apaixonaram por Jesus e se tornaram missionários é o fato de, logo em seguida, André ir ao encontro do seu irmão, Simão, para anunciar-lhe que havia encontrado o Messias. E o conduziu a Jesus. O discípulo missionário se forja na convivência com Jesus, no “vinde e vede”.

É preciso estar atento ao chamado de Deus. Ele chama a todos. A missão é específica para cada um. Ninguém tem a mesma missão. É preciso se colocar em atitude orante para observar, como Samuel e os primeiros discípulos, a que o Senhor chama, respondem ao seu chamado. Os dotes pessoais, as necessidades da comunidade, as propostas da sociedade são sinais de Deus para que cada um descubra seu lugar no mundo, na história, como colaborador de Deus. Essa vocação se realiza na consagração religiosa, no casamento, na vida profissional, na política, na cultura. Não importa o caminho, mas importa que cada um busque realizar o projeto de Deus para a humanidade. É preciso estar atento. Os discípulos estavam à procura. Uma vida dispersiva dificulta muito perceber a voz de Deus. Importa disponibilidade na oração. Sem esta, a vocação não tem vez.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Você é um(a) operário(a) na Lavoura do Senhor?

aureliano, 12.06.20

11º Domingo do TC - A - 14 de junho.jpg

11º Domingo do Tempo Comum [14 de junho de 2020]

[Mt 9,36 – 10,8]

O relato do evangelho deste domingo está colocado no seguinte contexto: Jesus ensinando os discípulos (Sermão da Montanha: Mt 5, 6 e 7) e confirmando sua palavra com vários milagres/sinais (Mt 8 – 9,34). Depois destas ações magistrais ele escolhe um grupo para enviá-los em missão, dando-lhes autoridade e orientando-os no exercício da missão. É um Novo Povo constituído pelo próprio Jesus, novo Moisés. A lista dos Doze realiza o que prefigurava as Doze Tribos de Israel. Este Novo Povo não é apenas sinal da Aliança entre Deus e a humanidade, mas são constituídos missionários, anunciadores do Reino de Deus instaurado por Jesus.

Ao chamar e constituir o grupo dos Doze e enviá-los em missão, Jesus se distancia dos mestres de seu tempo que reuniam discípulos para ficarem em torno de si. Eram alunos. Jesus quer missionários. Itinerante, quer discípulos também itinerantes. O discípulo de Jesus é formado de tal maneira que não espera que o ouvinte venha, mas vai-lhe ao encontro, coloca-se em marcha. É preciso ir “às ovelhas perdidas”. Os discípulos compreenderam perfeitamente o que o Mestre queria. Inicialmente cuidaram da “casa de Israel”. Depois estenderam sua missão “até os confins da terra”. Por isso chegou até nós! Graças a Deus!

Um aspecto interessante que não pode passar despercebido é a presença de Judas Iscariotes na lista dos Doze. Isto mostra que Jesus quer contar com todos. Não discrimina ninguém. Dá oportunidade a todos. Mesmo aqueles que traem, que dissimulam, que não se dispõem a entrar no projeto de Jesus, são chamados e enviados. Isto pode nos ajudar a ter paciência para trabalhar com os dissimulados. É aquela paciência em deixar crescer juntos o joio e o trigo: a nós compete semear; é o Pai quem faz a colheita. Mas também nos adverte quanto ao risco que corremos de fazermos parte do grupo de eleitos, e sermos infiéis à oportunidade que Deus nos dá. Deus chama, consagra e envia, mas a resposta e a acolhida são de cada um na sua liberdade.

 “Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor”. Jesus quer contar conosco na sua “lavoura”. Quer que tenhamos aquela sensibilidade que ardia no seu coração. Só será possível despertar em nós essa sensibilidade se nos dispusermos a conviver com Jesus. Sem intimidade com o Mestre é impossível percebermos a dor e o sofrimento dos pobres. Sem convivência com Jesus não teremos coragem de sair de nossa vida cômoda e curarmos as feridas dos que sofrem.

Não é fácil lidar com problemas dos outros! “Curar os enfermos” significa trabalhar em favor de quem tem menos vida; lutar pelos que sofrem em suas residências ou nas filas dos postos de saúde e hospitais. Ter um olhar de carinho para com aqueles que vivem sofridos e angustiados pelas lutas de cada dia. Já pensou naquela mãe ou pai cujo filho com deficiência exige cuidados dia e noite? Ou naquela mãe que não sabe o que fazer de seu filho/filha envolvido na droga e na criminalidade? Ou mesmo, que pensar daquele filho/a cuja mãe acamada ou desfalecida não encontra apoio nos irmãos ou familiares para colaborar nos cuidados com o doente?

Ressuscitar os mortos”: empenhar-se na defesa da vida das pessoas e da Casa Comum, o Jardim que Deus criou para nós. Alimentar a esperança naqueles que se encontram angustiados, sem perspectiva de vida, enlutados, sobretudo nesses tempos sombrios e dolorosos da covid-19. Ajudar a fortalecer no coração a confiança em Deus e o desejo de lutar pela vida.

“Limpar os leprosos” pode significar purificar a sociedade de tanta corrupção que assola a economia do País e a vida dos pobres. Corrupção significa também estado de putrefação. A podridão moral e social em que vivemos é como uma lepra, doença contagiosa, que contamina os sãos. Não se contaminar e trabalhar para que este mal não destrua ainda mais os pequenos e pobres. A violência no campo e na cidade, a disseminação de roubos e furtos, o desrespeito generalizado é como uma lepra que tem origem em líderes religiosos, políticos e judiciários que são colocados como ‘modelos’ sociais, porém tomados pela “lepra”.

“Expulsar os demônios” significa libertar as pessoas de tudo o que escraviza, domina, oprime. Assim, podemos nomear alguns demônios: a mentira, a traição, o roubo, a desonestidade, a ganância, a exploração, o preconceito, a fofoca, o desrespeito, a preguiça, a disseminação do ódo etc. Esses demônios impedem a pessoa de se realizar como ser humano e gera muito mal na vida no mundo.

Jesus nos constituiu como Igreja, novo Povo de Deus, não para ficarmos em torno de nós mesmos, de nosso egoísmo, de nossos caprichos e vaidades. Somos Povo de Deus para uma ação mais eficaz na história: “a messe é grande e precisa de operários”. Há muitos batizados, mas poucos são os operários.

A propósito da escassez de operários e da vastidão da lavoura, transcrevo aqui uma sugestiva palavra de São Gregório Magno: “Ouçamos o que diz o Senhor aos pregadores enviados: A messe é grande, mas poucos os operários. Rogai, portanto, ao Senhor da messe que envie operários a seu campo. São poucos os operários para a grande messe (Mt 9,37-38). Não podemos deixar de dizer isto com imensa tristeza, porque, embora haja quem escute as boas palavras, falta quem as diga. Eis que o mundo está cheio de sacerdotes. Todavia na messe de Deus é muito raro encontrar-se um operário. Recebemos, é certo, o ofício sacerdotal, mas não o pomos em prática” (Das homilias sobre os Evangelhos, de São Gregório Magno, Papa, Séc. VI).

A participação na Eucaristia não pode ser um modo de nos tornarmos aceitos por Deus e tranquilizarmos nossa consciência. Participar da Eucaristia é nos colocarmos decididamente ao lado de Jesus e do Evangelho e assumirmos efetivamente a defesa da vida dos filhos de Deus. É revermos nossa missão, ocupar nosso lugar no Reino de Deus, assumir nosso trabalho sem preguiça e sem mediocridade como operários, trabalhadores da messe do Senhor.

Você participa da Eucaristia para se sentir em paz ou para trabalhar na vinha do Senhor? Você se sente operário na lavoura de Deus, ou se sente apenas batizado? Como você vive sua vida cristã? Ela algum traço de Jesus? Tente listá-los. 

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Vocação e missão de profeta

aureliano, 01.02.19

4º Domingo do TC C.jpg

4º Domingo do Tempo Comum [03 de fevereiro de 2019]

[Lc 4,21-30]

O relato evangélico deste domingo é continuação do relato do domingo passado. Você está lembrado: refletimos o “programa” de vida de Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre mim e me ungiu para evangelizar os pobres”.

Jesus está na sinagoga de Nazaré, sua terra, e inicia seu ministério profético a partir da Palavra que diz: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. A base de orientação de vida e missão de Jesus é a Palavra de Deus. E ele toma por fundamento de sua missão principalmente os textos proféticos. Pois ele é o Profeta, o Santo de Deus. Aquele que veio para ser “sinal de contradição” (Lc 2,34). Suas palavras e suas ações se tornam sinais de queda e de soerguimento. Uma vez conhecido o ensinamento de Jesus, acontece um juízo para quem entra nessa dinâmica: salvação ou condenação. Ou o acolhemos ou o rejeitamos. É o que decide o sentido e o acerto na vida, ou o desacerto de nossa passagem pelo mundo.

Muitos tinham por Jesus uma “admiração”. “Espantavam-se da mensagem da graça que saía de sua boca”. É interessante notar que o primeiro passo da fé é a admiração, o encantamento, o espanto. A pessoa começa a se sentir atraída pelo “tremendum et fascinans” do Mistério de Deus que nos envolve. Ou seja, o divino revelado por Jesus mexia com o coração da pessoa.

O problema, porém, vem logo a seguir: a rejeição. “Não é ele o filho de José?”. Não se abrem num espírito de humildade para verem e contemplarem naquele “Homem de Nazaré” a manifestação do amor de Deus que convida à conversão. Por isso se enchem de ira contra ele e o expulsam da cidade.

O relato de hoje quer nos mostrar que muitas vezes escutamos a Palavra, a admiramos, mas julgamos que ela se dirige a outros. É como se Deus estivesse falando para o meu vizinho, para alguém da minha família, para o colega de trabalho. É difícil nos colocarmos desarmados e desnudados diante da Palavra que nos interpela. Ainda mais: como é difícil acolher a palavra profética de alguém que está bem perto de nós, cujos defeitos, família, origens conhecemos bem! Mesmo que aquela pessoa esteja dizendo a verdade, preferimos nos desculpar, atirar-lhe ao rosto suas mazelas e de sua família.

Outra dificuldade muito presente em nossas comunidades são o preconceito e o privilégio. Excluímos com facilidade a pessoas, julgamos, condenamos. Uma tentação de reduzir a comunidade eclesial a um “clube” de pessoas perfeitas, conhecidas, amigas, cúmplices. E uma tendência a buscar privilégios: “fulano tem um irmão padre, é parente da secretária, é amigo do coordenador” etc. E se fazem atalhos para conseguir isso ou aquilo da igreja. Esquece-se que a Igreja é o Povo de Deus que se reúne como comunidade de fé e de vida, na busca do bem comum de todas as pessoas, a partir da fé em Jesus Cristo vivo e ressuscitado.

O ditado dos judeus: “Nenhum profeta é profeta em sua terra” não deveria encontrar ressonância entre nós. Esse ditado, assim como este outro semelhante: “Santo de casa não faz milagre”, deveriam ser banidos do nosso meio. É uma armadilha de Satanás para nos prender nos nossos vícios e defeitos. Não nos deixam mudar de vida. A Palavra de Deus mexe com nossas estruturas, mas o nosso egoísmo e autossuficiência, quais demônios terríveis, nos prendem e nos escravizam. É preciso deixar que a Luz trazida por Jesus penetre em nossa vida e, expulsando nossas trevas, ilumine nossos caminhos. Se a porta estiver fechada fica difícil a penetração da luz. “Eis que estou à porta e bato” (Ap 3,20).

O profeta é a consciência crítica do povo. Ele não fala em nome da razão simplesmente, mas em nome de Deus. Nossa Igreja, hoje, vive uma crise de profetas. Eles estão meio sumidos, apagados talvez. Todos os batizados são ungidos profetas. Mas o profetismo não aparece. Talvez pelo risco que se corre, pois o profeta é o defensor dos oprimidos, dos fracos, dos marginalizados. É a voz de quem não tem voz nem vez. É o homem da esperança e da confiança. O fracasso não o desanima. A ameaça dos maus não o intimida. O profeta, homem de Deus, vê o que Deus vê. À luz do alto, é capaz de perceber o “escondido”, de apontar saídas, de prever os riscos quando se está num caminho de morte com aparência de vida. O profeta faz uma leitura divina dos acontecimentos. Sua presença introduz uma esperança nova. Ajuda a pensar o futuro de acordo com a liberdade e o amor de Deus. Papa Francisco parece trilhar este caminho.

Fazemos memória, com saudade, de Dom Hélder Câmara, de Dom Luciano, de Irmã Dorothy, de Dom Antônio Filipe, de Pe. Jesus Moreira de Resende dentre tantos outros profetas e profetisas do Reino de Deus. Ainda há alguns profetas em nosso meio, mas parece que os ventos levam suas vozes para o deserto. Há muito dificuldade em ouvi-los. O espírito mundano pervade nossas famílias e comunidades, embaça nossa mente e nosso coração, impedindo que se ouça e se siga a voz do profeta. A busca insaciável pelo dinheiro, pelo poder a qualquer custo, pelo consumismo, pelo prazer desmedido emudece, ensurdece e cega as pessoas.

Uma palavra do Pe. José Antônio Pagola que dá o que pensar, reza assim: “Uma Igreja que ignora a dimensão profética de Jesus e de seus seguidores, corre o risco de ficar sem profetas. Preocupa-nos muito a escassez de sacerdotes e pedimos vocações para o serviço sacerdotal. Por que não pedimos que Deus suscite profetas? Não precisamos deles? Não sentimos necessidade de suscitar o espírito profético em nossas comunidades?” (O caminho aberto por Jesus, p. 88).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN