Uma vida que brilhe e clareie
5º Domingo do Tempo Comum [05 de fevereiro de 2023]
[Mt 5,13-16]
Hoje continuamos a rezar, na liturgia, o Sermão da Montanha. Jesus, o novo Moisés, quer mostrar a novidade do seu ensinamento em relação ao antigo. Com o projeto do Reino dos Céus (ou de Deus) anunciado por Jesus, Mateus procura mostrar às comunidades cristãs oriundas do judaísmo que precisavam assumir uma prática de vida nova, um novo modo de viver (cf. Mt 5,1-12: Bem-aventuranças) uma vez que a postura das autoridades judaicas de então não correspondia mais ao sonho de Deus para a humanidade.
Na confusão de propostas religiosas, de pregadores de todo canto, o discípulo de Jesus deveria assumir uma postura nova e decisiva: ser sal e ser luz. Em outras palavras: devia dar novo sabor e nova cor à vida das pessoas, ao mundo, a partir de uma vida de intimidade com Jesus. Participando da vida de Jesus, “Sol nascente que nos veio visitar”, o discípulo uma vez iluminado - tal qual a lua que recebe do sol a luz para iluminar a noite - ilumina a vida em torno de si, ilumina a vida do irmão, percebe e solidariza-se com sua necessidade: repartirá o pão com o faminto, hospedará o pobre sem destino (migrante), vestirá o nu, jamais se esconderá de seu irmão pobre, enfrentará o “dedo que acusa e a conversa maligna” (cf. Is 58, 7-10).
Um aspecto interessante de notarmos no evangelho de hoje é que Jesus não conclama seus discípulos a serem sal e luz porque eles são da Igreja nem porque crêem num conjunto de normas e doutrinas nem mesmo por serem homens de oração e fiéis ao culto mas, em primeiro lugar, porque são pobres, são mansos, pacíficos, são misericordiosos, são puros de coração. As bem-aventuranças foram proclamadas primeiramente para os que crêem, seus discípulos, que são pobres e mansos, que têm forme e sede justiça, que são misericordiosos e promotores da paz. Quem vive as bem-aventuranças é sal, é luz, é fermento.
Os cristãos são chamados a transformar um mundo sem sal, sem sabor (sabedoria), sem a luz da verdade, da justiça e da fidelidade, em Reino de Deus. Isso só será possível se o discípulo de Jesus procurar configurar sua vida à de Cristo. Se procurar viver os valores do Evangelho, se buscar reproduzir as atitudes de Jesus, sobretudo para com os pequeninos, os indefesos, os pecadores, os doentes, os sofredores.
“Se fizeres isto (repartindo o pão com o faminto, recolhendo em casa os pobres desabrigados, vestindo os que estão nus), a tua luz romperá como aurora. Então tua luz brilhará nas trevas e tua escuridão será iluminada” (cf. Is 58,7-10). É a participação na glória de Deus. Glória que se manifesta e se exercita na caridade para com os pobres. Santo Irineu dizia: “A Gloria de Deus é o homem vivo; e a vida do homem é a visão de Deus”.
Há um princípio latino que diz: Ubi charitas, ibi Deus (Onde há amor, aí está Deus). Por conseguinte, o contrário é também verdadeiro: onde não há caridade não está Deus. E onde Deus não se encontra, há trevas. Pois “Deus é luz e nele não treva alguma” (1Jo 1,5). E sem luz não se caminha seguro, corre-se sempre o risco de se cair no precipício ou de atropelar os outros.
O espírito mundano nos leva à competição, a abocanhar tudo, a fechar os olhos para a necessidade do miserável, a gastar tudo ou a acumular sem repartir, a pagar o mal com o mal, a valer-nos das oportunidades para tirar vantagens em prejuízo dos outros, a extorquir os desamparados e indefesos, a destruir o meio ambiente etc.
O espírito de Jesus nos convida a assumir uma postura de luz que brota do seu coração e chega aos pobrezinhos através de nós; uma postura de sal que dá um novo sabor à vida de tanta gente. Pois a sabedoria da vida, o prazer de viver não está no acúmulo de bens, nem em curtir todo o prazer do mundo, nem no luxo, nem na ostentação, mas em ocupar-se com aqueles que são mais fracos, impotentes, desprezados, invisíveis, que não são levados em conta na sociedade. A propriedade de conservar que o sal possui quer dizer que a prática da caridade em favor do irmão, sobretudo do indefeso, ajuda a conservar em nós a Aliança que o Senhor fez conosco em seu Filho Jesus.
Diante de milhões de pessoas que passam fome no mundo, que são vítimas da violência mordaz, da desigualdade social que se aprofunda ainda mais, de uma indiferença que cresce assustadoramente nos corações em relação aos pobres e sofredores, nossa consciência se abala, estremece? Os países tradicionalmente cristãos são detentores de muitas riquezas e vida próspera. Será que nós, cristãos, estamos apoiando um sistema injusto e opressor do pobre e do fraco? Será que, na condição de cristãos, estamos contribuindo para o aumento da dor e do sofrimento dos pequenos e sofredores, caminhando na contramão de Jesus? A situação é séria e merece ser pensada, refletida, rezada.
De nossa vida ficará aquilo que se tiver tornado amor: “No entardecer da vida seremos julgados sobre o amor” (S. João da Cruz). Se tiver ficado amor na vida que tivermos vivido; se tivermos deixado rastros de vida, de alegria, de generosidade, de justiça e de fidelidade não entraremos nas trevas (noite) da morte, pois a Luz amorosa mantida no coração e na vida não se apagará jamais. O resto irá para o túmulo. É preciso, pois, que nos convertamos a cada dia em amor. Então seremos sal, seremos luz!
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN